RALO
Sérgio Pires
Desce pelo ralo as palavras malditas,
As mágoas não verbalizadas
A raiva contida.
Desce o pensamento fixo
Hipnotizado e confuso
Cheio de dor cerebral e de lixo
Desce também os atos secretos
Não os do senado, mas os nossos
Aqueles que temos vergonha de assumir até pra nós mesmos
Mas a água pura também há de descer pelo ralo
E levar consigo as impurezas humanas
E conduzi-las para o todo, para o mar infinito
Onde elas se diluem e evaporam
ALMA MINHA
Sérgio Pires
Eu falo contigo
Mas você me procura no silêncio
Eu te convido pra entrar
Mas você só vem quando é necessário
Eu abro a porta
Mas ela é estreita para tua dimensão
Eu limpo a casa
Mas você ainda encontra pó
Eu lhe convido pra sentar
Mas você prefere ficar no alto
Eu lhe ofereço alimento
Mas você já está pleno
ENCONTRO
Sérgio Pires
A alegria de um encontro inesperado
Ao sabor de um profundo diálogo
O pensamento recorrente meio sem jeito
E um calor que vibra dentro do peito
A face estampada de um ente
O desencontro dos que estão acostumados
Nos olhos, um brilho diferente
E um sentimento sendo consumado
Embriagado por um sorriso desatento
Meu olhar reconhece e se reencontra
Perdido que estava, foi descoberto
Raio de sol entre nuvens...aponta
Mas como todo encontro passageiro
fica um gosto de saudade na boca
um olhar perdido no espelho
e a poesia que não cansa... rouca
Já valeu encontrar tanta vida
tanta palavra não falada
tanta tela não pintada
Como quem descongela o sentimento....
Queria poder ficar mais tempo...
Queria poder parar o tempo....
SEPARAR O QUE?
Sérgo Pires
Separar o quê?
O corpo?
A escova?
As alianças?
Quando se ama
No fundo da alma
Não tem corpo, nem escova, nem alianças
Quando se está junto na alma
Leva-se consigo para sempre.
Não por 10 anos apenas
Leva-se o outro nas andanças,
Na estrutura, na saudade
Leva-se a certeza na lembrança
De ter vivido o possível
De ter mudado o que dava
De estar melhor que estava
E que o eu do presente
não é o mesmo de antes
Se não tivesse a mistura
E dessa mistura improvável
Surgiu beleza e alegria
Nasceram Theo e Isa
E as sementes plantadas
Apesar do vento e da chuva
Serão sempre regadas
E crescerão saudáveis
Assim como as qualidades plantadas
dentro de cada.
E nessa paisagem
Só gratidão há de brotar
Apesar do corpo, da escova e das alianças
Estarem agora de mudança
O SILÊNCIO
Sérgio Pires
Silencia mente incessante...
Pensamentos como goteiras no telhado
Como grilos que não param numa noite de insônia
Carros em trânsito caótico ultrapassando o sinal vermelho
Silencia mente..
A respiração desconcertante
Ansiedade nos veios da face
Um olhar distante
Silencia...
Faz como os pássaros que não pensam quando voam
Raio de sol penetrando por uma fresta
Vontade alguma de respirar em um corpo adormecido
Horas que passam como minutos
Si...
Que deste si vem a resposta...
Daquilo que há pouco não sabíamos
Das idéias guardadas no baú profundo
Que o silêncio acaba de abrir...
A SOMBRA
Sérgio Pires
A sombra tem o frescor da parada
Mas nela não podemos ficar para sempre
Ela é pausa, é descanso
Essa zona de conforto é perigosa...
Porque apesar de não sentirmos o calor do sol
Também não recebemos sua vibração, só reflexo
A sombra é ótimo lugar para se esconder
E quem se esconde, não se acha
E ninguém vê direito a face assombrada...
É melhor escutar a voz:
Vai, sai da sombra! Mostra tua cara!
Deixa o sol iluminar tua face escura
Na direção do sol, a sombra fica para traz
Se nos afastamos, ela fica à nossa frente
Escurece o caminho
A verdade dói, como uma queimadura na pele
Mas cicatriza
Nasce pele renovada
A verdade restaura
É melhor que ter um câncer silencioso
Quanto mais cedo tratarmos, mais fácil a cura
Então vai! Sai da sombra!
Arrisca ser tu mesmo.
Encontra tua verdade em solo quente.
THEO
Sérgio Pires
A porta semi-aberta anuncia o visitante
Um arrepio pela coluna de repente
Uma presença faz-se sentir desconcertante
E a atenção apodera-se da mente
O frio tomava conta do abdômen
Na iminência de um encontro inesperado
Tranforma-se em um calor sossegado
Apesar da incerteza do homem
A porta abre-se inteiramente...
Para o choque de todos os sentidos
Vindo de dentro e não de fora, surpreende
Expulsa os pensamentos escondidos
E acende como um farol todas as luzes
E descortina emoções profundas
E destrava janelas da paisagem
E de lucidez toda casa inunda
E sem voz ficou durante horas
Sem imagem ficou cego para fora
Mas a audição escutou os primeiros passos
Percebendo uma mudança no espaço....
A porta começou a se fechar
os passos não hesitaram em se aproximar
o corpo começou a reclamar
e ouvidos insistiram em anunciar:
Acorda papai....abre o olho.